A desnacionalização dos setores estratégicos e a queda do bem-estar dos brasileiros

Por Alisson Carvalho

O saldo da Copa é preocupante. Pré-sal, distribuidoras da Eletrobrás, Embraer, Raspadinha [1], Água e Saneamento básico [2]: são algumas das iniciativas de desnacionalização da economia brasileira. Nunca estrangeiros tabelaram com tamanha facilidade em setores estratégicos de um país do porte do Brasil. Mas o entreguismo em níveis alarmantes do governo Temer é visto como positivo pela mídia tradicional, que tem seu patriotismo restrito ao futebol. No entanto, um pouco de reflexão sobre os impactos das desnacionalizações para o bem-estar dos brasileiros deixa evidente que está em curso um processo de lesa-pátria que faz o governo de FHC parecer nacionalista.

A Petrobras, que chegou a conquistar a autossuficiência em Petróleo para o país, após cerca de três anos de gestão entreguista, corre o risco de se tornar uma empresa média, desintegrada em suas funções de refino, distribuição e na petroquímica [3]. A gestão do governo Temer procura resolver problemas de curto prazo da empresa liquidando boa parte de seu patrimônio. Fez com que suas refinarias operassem com capacidade ociosa acima do normal, para aumentar a importação de combustíveis de Empresas Transnacionais (ETNs) e criar um clima agradável à privatização das refinarias. Além disso, a destituição da condição de operador único da Petrobrás na exploração do Pré-sal e a agilidade de entrega de áreas exploratórias em um momento difícil da economia brasileira parece obedecer mais ao calendário de necessidades de petróleo dos Estados Unidos, que se aproveita da situação, do que às necessidades nacionais [4].

A política de preços da Petrobrás fez com que o preço médio dos combustíveis, seja gasolina, diesel ou do gás, subisse cerca de 20% nos últimos 12 meses, bem acima da inflação, que ficou apenas em 2,86% no mesmo período. O setor dos caminhoneiros conseguiu se proteger da política entreguista, pela sua capacidade de pressão e mobilização. A greve dos caminhoneiros deixou explícito como a falta de soberania sobre setores estratégicos pode paralisar um país. Infelizmente, nem todos os trabalhadores do país têm o mesmo poder de reação. A população mais pobre, que depende do Bolsa Família para sobreviver, passou a ter que comprometer 40% da sua renda com o botijão de gás [5]. A solução de Temer à crise dos combustíveis, ao invés de corrigir a distorção causada pelo entreguismo, provoca novas distorções. A redução dos impostos sobre o diesel ocasionou na redução de investimento em educação.

O entreguismo do setor elétrico tem encontrado alguns obstáculos, mas está perseverante. No final de junho, o Ministro do STF Ricardo Lewandowski impediu que o Executivo pudesse vender estatais e suas subsidiárias sem passar pelo Legislativo. Felizmente para as ETNs, a ânsia do congresso para a pavimentação da privatização da Eletrobrás também é grande. Aprovou-se semana passada na Câmara, sob pedido de urgência, o texto-base que destrava a venda de seis distribuidoras da Eletrobrás. Para tornar atrativo ao investidor o controle do setor, o texto transfere as dívidas bilionárias das distribuidoras à conta de luz do consumidor. Agora falta apenas a aprovação no Senado. Se tudo der certo, os patrimônios estão prontos para serem entregues dia 26 de julho, data do leilão [6].

A venda da Embraer à estadunidense Boeing tem gerado apreensão em seus fornecedores, preocupados com a sustentação da indústria aeronáutica nacional. A cadeia da Embraer hoje é formada por cerca de 70 empresas, com 5 mil empregados [7].

O caso Embraer evidencia, e serve também para os outros setores estratégicos, que os impactos das desnacionalizações não se restringem à piora do nível de vida do trabalhador no curto prazo. Também comprometem o seu futuro. O possível desmonte da cadeia aeronáutica nacional, a destruição do braço petroquímico da Petrobras, a queda de demanda por sondas de perfuração e plataformas, a inviabilização de construção de estaleiros competitivos internacionalmente, e a privatização da política de preços energéticos em geral, fazem a economia brasileira cair de patamar e perder soberania. Destroem-se importantes elos de dinamização do mercado interno, de possibilidades de inovação tecnológica e oferta de empregos de qualidade.

A participação do Estado na economia brasileira é determinada por sua necessidade de atuar em setores fundamentais ao desenvolvimento econômico em que a iniciativa privada nacional se mostrou historicamente incapaz de liderar. Sem o Estado nesses setores, a tendência não é que sejam ocupados pela iniciativa privada nacional e sim pelas ETNs, que tomam suas decisões a partir de um cálculo global que não tem nada a ver com as necessidades de desenvolvimento nacional. Sendo assim, a implicação das desnacionalizações, nesse aspecto, é que as potencialidades de caráter tecnológico desses setores deixem de existir para a sociedade brasileira.

Caso as políticas entreguistas do governo Temer apoiadas pelo congresso e pela mídia tradicional não sejam barradas e/ou revertidas passaremos a viver em uma economia estruturalmente inferior à que estávamos habituados. Com o Estado e o mercado interno fragilizado, a volta do crescimento só virá com a expansão do comércio internacional, sabe-se lá quando, e com menos e piores empregos, incapazes de absorver toda uma nova geração de engenheiros mecatrônicos, de produção, profissionais de Tecnologia de Informação, cientistas aeronáuticos, químicos, dentre outras profissões, filhos de trabalhadores, que pela primeira vez em suas famílias chegaram a ter acesso à educação superior.

[1] https://br.sputniknews.com/brasil/2018070411638786-loteria-bndes-lotex-leilao/

[2] https://www.saneamentobasico.com.br/assinatura-mp-saneamento/?rdst_srcid=1351672

[3] https://www.valor.com.br/empresas/5647893/venda-da-braskem-deve-ser-assinada-com-lyondellbasell-ate-outubro

[4] https://www.cartacapital.com.br/revista/1010/ideia-de-que-petroleo-e-estrategico-determinara-acao-a-ofensiva-dos-EUA

[5] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44488761

[6] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/07/camara-aprova-texto-base-de-projeto-sobre-venda-de-distribuidoras-da-eletrobras.shtml

[7] https://www.valor.com.br/empresas/5645565/fornecedor-brasileiro-da-embraer-teme-acordo

Leave A Comment